Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associado

Visão do direito: Considerações sobre as mudanças trazidas pela Lei 14.133/2021

Por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e José Osvaldo Fontoura de Carvalho Sobrinho — O maior volume de criminalização de atos administrativos processuais em apenas dois temas. Não há precedente na história que criminalize tantos atos de um só processo.

Como regra, a tutela penal de determinados bens jurídicos deve se vincular aos valores, princípios e regras constitucionais consagrados pela própria sociedade. Por se valer de sanções mais gravosas do que os outros ramos, o Direito Penal não se destina à punição de qualquer ilicitude, devendo ser subsidiário e fragmentário, relegando a proteção de bens jurídicos menos relevantes aos ramos civil e administrativo sancionador.

É nesse contexto que se insere a interferência ilícita em licitações e contratos administrativos, que já era criminalizada por meio da Lei 8.666/1993, em tipos penais específicos. Além de melhorar sensivelmente a técnica legislativa, a Lei 14.133/2021 agravou e ampliou o alcance dos tipos penais relacionados às contratações públicas, incluindo-os como um capítulo específico do Código Penal, organizando mais clara dessas normas e facilitando a sua compreensão e integração com os demais dispositivos do código.

A nova lei tornou mais simples também a questão processual, na média em que eliminou dispositivos redundantes, já integralmente regulamentados pelo Código de Processo Penal e de aplicação genérica ao processamento dos crimes. Mantém-se a condição de crimes de ação pública incondicionada, seguindo os ritos processuais do CPP, inclusive, quanto aos prazos e mecanismos recursais.

A nova lei agravou as penas cominadas e a modalidade de cumprimento, passando de detenção para reclusão, com implicações processuais relevantes. O aumento do limite inferior da pena cominada a vários crimes, para quatro anos, deve reduzir estatisticamente o seu cumprimento no regime aberto.

Efetivamente, desconsiderado o concurso de crimes, eram mais prováveis as sentenças condenatórias até três anos, do que as condenações à pena mínima de quatro anos, sob a nova lei. Na prática é possível que um condenado por crime de licitação tenha pena superior a um homicida ou latrocida.

Uma segunda consequência do novo limite mínimo da pena cominada a vários tipos penais é que impossibilita a proposição do Acordo de não Persecução Penal, cabível somente para penas mínimas inferiores a quatro anos. Perde o Estado um importante meio de obtenção de provas e perde o acusado, que não pode mais se beneficiar da redução ou mesmo eliminação da pena, caso confesse o cometimento do crime nos moldes da lei.

Um terceiro aspecto é a mudança da cominação de detenção para reclusão, que viabiliza a flexibilização do direito constitucional à privacidade da comunicação telefônica, não admitida quando “o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção” (art. 2º, inc. II, Lei 9.296/1996).

Um quarto aspecto foi a descriminalização da conduta de “elevar arbitrariamente os preços” e a criminalizando novas condutas, afetas à entrega de quantidades e qualidade fora do previsto no edital e levantamento cadastral ou condição de contorno em dissonância com a realidade, frustrando o caráter competitivo da licitação para projeto básico, executivo ou anteprojeto em diálogo competitivo ou em procedimento de manifestação de interesse.

Por fim, a NLLCA perdeu a oportunidade de deixar mais clara a exigência do dolo específico em determinadas condutas, consistente na intenção de lesar o erário ou obter vantagem indevida, já definida pelo STF (Inq 3962/DF, julgado em 20/2/2018). Nesse breve cenário, ecoa uma preocupação com erros relativos à proliferação de propostas de investigação, representação e denúncia. Um exame mais atento das lições legadas pela Lei nº 8.666/1993 é que os autores, embora conhecessem Direito Penal, não conheciam o processo de licitação e contratos. Condutas legítimas foram denunciadas e, no entanto, tantas outras irregulares ficaram impunes.

Exemplos colhidos ao correr da pena consideraram obrigatório que na contratação de notórios houvesse pesquisa de preços. Acusados de corrupção passiva alegaram em defesa que não recebiam sem adiantar a propina e ninguém foi acusado ou investigado por violar a ordem cronológica de pagamentos.

Esses exemplos estão agora reafirmados com tipificação mais precisa e, no segundo caso, com a imposição aos Tribunais de Contas que fiscalizem a rigorosa ordem cronológica de pagamentos. No aperfeiçoamento da legislação está o fato de que a nova lei determinou a inserção dos atos tipificados como crime no Código Penal, fazendo um conjunto mais orgânico e de mais fácil aplicação da teoria geral do Direito Penal.

Por fim, em coerência com nossas aulas, devemos registrar uma vez mais que o tema apresenta o maior volume de criminalização de atos administrativos processuais em apenas dois tipos de processos: licitação e contratos. Não há precedente na história que criminalize tantos atos de um só processo.

O exagero de tipificação, ao contrário do que se divulga popularmente, não inibe a prática de crimes, mas dificulta a condenação. O país já tem os resultados dos crimes bem definidos — peculato, apropriação indébita, falsidade ideológica etc. — sendo absolutamente dispensável a punição de atos processuais da forma como está posta. Talvez menos leis, bem compreendidas e aplicadas com a celeridade, pudessem renovar a esperança da evolução da cidadania.

*Jorge Ulisses Jacoby Fernandes é advogado, mestre em direito, fundador da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados

*José Osvaldo Fontoura de Carvalho Sobrinho é advogado, mestre e doutor em direito constitucional

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