(Mayrluce Alves, advogada na Jacoby Fernandes e Reolon Advogados Associados)
Em outubro de 2021, foi publicada a Lei nº 14.230, que promoveu alterações substanciais na Lei nº 8.429/1992 (LIA). Uma das alterações de maior relevância foi quanto à disciplina da prescrição, regulamentada no art. 23.
A nova redação estabeleceu o prazo prescricional de 8 anos, contados da ocorrência dos fatos, em contraste com a disciplina anterior, que previa o prazo de 5 anos, mas com marcos temporais pouco claros. Ademais, nos termos do § 4º, inciso I, e do § 5º do mesmo dispositivo, passou-se a prever que o prazo prescricional de 8 anos seria interrompido com o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, reiniciando-se, de imediato, pela metade do prazo previsto no caput do art. 23 da LIA.
Nesse contexto, agentes públicos que viviam sob a incerteza de processos que se arrastavam há anos – muitos por mais de uma década – vislumbraram uma expectativa de segurança jurídica: de um lado, pela fixação de um prazo prescricional objetivo de 8 anos; de outro, pela previsão de celeridade processual, já que, após a interrupção, o prazo passaria a correr pela metade.
Até que o STF, alterando a mens legis e restringindo os efeitos da natureza sancionadora da norma – que, por estar submetida a princípios de direito penal, deveria observar a retroatividade da norma mais benéfica, nos termos do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal –, definiu que “o novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”, ou seja, a partir de 26 de outubro de 2021. Com isso, muitos processos que já poderiam ser extintos ganharam sobrevida.
A expectativa era de que, a partir dessa definição, os processos passassem a tramitar com maior celeridade – especialmente porque o CNJ havia determinado prioridade no julgamento dessas ações. Contudo, na prática, tal celeridade não se concretizou.
Pela redação do § 5º do art. 23 da LIA, processos em curso desde 26 de outubro de 2021, sem julgamento em 1ª e 2ª e “3ª” instâncias, estariam sujeitas à prescrição intercorrente a partir de 27 de outubro de 2025. Esse entendimento, registre-se, decorreu da própria interpretação do STF, ao fixar a tese do Tema 1.199.
Com base nisso, tanto o CNJ quanto o STJ definiram metas para a apreciação de todos os processos suscetíveis de prescrição intercorrente até 26 de outubro de 2025.
Ao invés de uma prioridade a essas ações, o que se verificou fora, com a aproximação dessa data, uma celeridade incomum, que acabou comprometendo a análise cuidadosa que se espera em processos dessa natureza, cujas sanções podem ser extremamente severas.
Autos que apuravam fatos de 2009, por exemplo, em menos de três meses tiveram determinação para produção de provas, realização de oitivas, abertura de prazo para apresentação de alegações finais e, em poucos dias após todos esses atos, sentença proferida – em tentativa de compensar mais de uma década de inércia.
O resultado, contudo, foram julgamentos muitas vezes genéricos, desproporcionais e que sequer observaram requisitos legais, como a tipificação ou individualização das condutas.
Infelizmente, o número de processos julgados – muitos originados de petições ineptas – passou a ter mais relevância do que a efetiva análise da subsunção dos fatos à norma, evidenciando um viés punitivista de parte da magistratura, que, após anos de inércia, decidiu julgar processos da noite para o dia, como se buscasse apenas evitar a consumação da prescrição.
Já para os magistrados que não lograram julgar as ações nesse período, o STF, ao apreciar cautelarmente a ADI nº 7.236 MC/DF, em 23.09.2025, trouxe uma solução: “suspender a eficácia da expressão “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo” contida no art. 23, § 5º, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021.”.
Essa decisão, no entanto, contraria não apenas o espírito da lei, mas também o próprio Tema 1.199, que determinou a aplicação dos novos marcos prescricionais a partir da publicação da Lei nº 14.230/2021, sem acrescentar fundamentos que já não pudessem ter sido considerados naquela ocasião.
As razões para tal decisão é que, de acordo com a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, o “prazo de quatro anos a ser contado a partir da interrupção não se coaduna com a realidade processual do sistema de justiça brasileiro, em que, no mais das vezes, a tramitação de um processo cível leva, em média, quase 5 (cinco) anos para percorrer cada instância judicial”.
Mas, diante desse raciocínio, como ficam as ações ajuizadas em 2009, 2010, 2011, por exemplo, que, mesmo após a reforma da LIA, não foram sequer sentenciadas? Terão tratamento diferenciado, já que ultrapassam inclusive o tempo médio estimado pelo próprio Ministério Público para julgamento?
A preocupação se intensifica quando o Min. Relator da referida ADI também pondera que “nos demais ramos do ordenamento jurídico, a interrupção da prescrição costuma acarretar o reinício do prazo pelo mesmo quantum originalmente previsto”.
Ocorre que, pela lógica acima, como a lei possui 5 possibilidades de interrupção do prazo prescricional, um processo poderia se prolongar por até 40 anos, o que viola frontalmente os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica.
O cenário atual cria um paradoxo: de um lado, parece excessivo exigir que um juiz julgue uma ação de improbidade em quatro anos, após a sua interposição em até oito anos; de outro, naturaliza-se que o réu permaneça submetido a um processo por décadas, em situação de permanente incerteza.
Com efeito, tal decisão acaba por prestigiar a ineficiência do Judiciário brasileiro.
O que traz algum alento é o fato de se tratar de medida cautelar, logo, passível a revisão. Assim, espera-se que o STF, ao reapreciar a questão, considere não apenas as dificuldades estruturais do Judiciário em julgar tais ações em quatro anos, mas também a grave insegurança jurídica que acomete os réus, submetidos a processos intermináveis e à mercê de alterações legislativas e judiciais que, no presente caso, mostram-se conflitantes entre si.
Mais do que discutir a conveniência do prazo de quatro anos, o que está verdadeiramente em jogo é a coerência institucional do próprio STF: assegurar que o combate à improbidade administrativa se desenvolva dentro de parâmetros claros e estáveis, em consonância com os princípios constitucionais da proporcionalidade, da razoabilidade e da duração razoável do processo.